Decifrar a migração induzida pelo clima na Somália: Uma perspetiva de teledeteção

Este estudo faz parte do projeto Hummingbird, financiado pela Comissão Europeia em colaboração com a VUB, e publicado na revista PLOS ONE.
Introdução
Desde 1990, a Somália tem sido afetada por mais de 30 fenómenos meteorológicos graves, incluindo 12 secas e 19 inundações, que resultaram em duas grandes fomes (em 1991-92 e 2011). Estes eventos deslocaram mais de 3,2 milhões de pessoas. Aproximadamente 70% da população depende da agricultura e da pecuária, ambos setores altamente vulneráveis às alterações climáticas. O ciclo contínuo de secas e inundações compromete a segurança alimentar e o acesso aos serviços essenciais, aumentando a vulnerabilidade e provocando migrações em diversas escalas. As rápidas mudanças climáticas afetam de forma significativa muitos aspetos da vida, frequentemente degradando as condições de vida em várias regiões a ponto de forçar os habitantes a fugir.
Apesar do crescente reconhecimento desta problemática, a dinâmica entre os fatores ambientais e a mobilidade humana continua a ser insuficientemente estudada. O objetivo deste estudo é investigar como a análise avançada de teledeteção pode ser utilizada para desenvolver indicadores climáticos detalhados a nível micro (de distrito) e analisar a relação entre os fatores climáticos e os deslocados internos na Somália entre 2016 e 2019.
As tecnologias de teledeteção são especialmente valiosas para estudar a relação entre as alterações climáticas e a mobilidade humana, pois fornecem dados ambientais essenciais a diversas escalas, permitindo compreender as repercussões de fatores climáticos, como secas e inundações, nos movimentos de população. Os dados obtidos por satélite oferecem informações sobre as tendências climáticas, como a variabilidade das precipitações, as anomalias de temperatura e as mudanças no uso do solo, enquanto documentam a degradação do ambiente.
Metodologia
A equipa da GMV utilizou conjuntos de dados de teledeteção para criar indicadores ambientais para a Somália, incluindo uma ampla gama de dados de satélite como o Sentinel-1, Sentinel-2, DEM da NASA, Índice de Humidade do Solo (SMI), Índice de Precipitação-Evapotranspiração Padronizado (SPEI) e imagens de resolução muito alta do Google e dados não-satelitais como registos de deslocados internos e relatórios oficiais.
A equipa da GMV desenvolveu uma série de algoritmos baseados em Python para processar estes conjuntos de dados e gerar diversos produtos derivados de satélites, entre os quais se incluem: Indicador de seca agrícola (IDA), cartografia da extensão das inundações, mapa da cobertura terrestre e mudança da cobertura terrestre, anomalias do índice de precipitação-evapotranspiração normalizado (IPEE), índice de vegetação ajustado ao solo (IVAS), índice de superfície foliar (IAF) e índice de vegetação de diferença normalizada (NDVI) e anomalias do NDVI.
Constatações
Doolow acabou por ser o destino mais popular para os deslocados, seguido por Luuq. Em contrapartida, Qansax Dheere registou o maior número de saídas devido a episódios de seca durante o mesmo período.
A nossa análise identificou 2017 como o ano mais seco para a Somália, enquanto 2018 e 2019 foram marcados por importantes inundações. Os períodos de chuvas regulares, concretamente as estações Gu e Dayer, trazem consigo um aumento das chuvas, o que ajuda a mitigar o impacto das secas durante estas épocas de cultivo. Em regiões como o norte e o centro da Somália, onde os fenómenos climáticos extremos de aparecimento rápido e lento ocorrem de forma sequencial ou simultânea, é complexo classificar os fatores ambientais como benéficos ou prejudiciais. Por exemplo, as inundações após secas graves podem ajudar as zonas agrícolas a recuperar, mas estas flutuações ambientais nem sempre produzem resultados positivos para os meios de subsistência.
As inundações provocam deslocações imediatas, com pouco tempo de resposta. As pessoas costumam iniciar as evacuações pouco antes das inundações ocorrerem e costumam voltar para casa quando as águas recuam, dependendo da recuperação da zona. O nosso estudo confirma que as migrações induzidas pelas inundações são amplamente localizadas, limitam-se a distritos específicos e costumam permanecer dentro dos mesmos distritos. Pelo contrário, a seca é um processo mais lento, no qual a migração começa mais tarde e aumenta gradualmente com o tempo. Além disso, o retorno após uma seca leva muito mais tempo, uma vez que muitas pessoas deslocadas provavelmente percebem as suas condições de vida originais como instáveis.
Os efeitos das inundações sobre as migrações são mais imediatos do que os da seca. As migrações internas ocorrem pouco depois das inundações, e os deslocados internos costumam voltar às suas casas quando as águas recuam. A seca, no entanto, é mais gradual: as pessoas abandonam as suas casas tardiamente e o seu regresso é muito mais prolongado devido à gravidade das condições que enfrentam. Uma análise dos padrões de migração durante todo o período mostra que um distrito afetado por uma grave seca nem sempre regista um alto nível de deslocação.
Apesar das dificuldades, o nosso estudo oferece uma abordagem inovadora para avaliar os indicadores ambientais e os deslocados internos na Somália. Esta metodologia poderá ser alargada para abranger períodos de tempo mais longos e áreas geográficas mais vastas. A investigação futura poderá explorar a mobilidade transfronteiriça e os fatores ambientais. No entanto, com base nas nossas conclusões e nos desafios associados aos dados disponíveis, defendemos que a melhoria da qualidade e da acessibilidade dos dados, tanto a nível nacional como internacional, para as regiões mais afetadas pelas alterações climáticas deve ser uma prioridade. Por último, sugerimos que a triangulação de dados quantitativos e qualitativos ajudará a esclarecer a complexa dinâmica da migração induzida pelo clima, estabelecendo as bases para futuras investigações neste campo.
Autor: Rahman Momeni